Visita a Sintra por Hans Christian Andresen
Roteiro literário | Percorrer Sintra pelas linhas de Hans Christian Andresen
Seguir os passos de Hans Christian Andersen por Sintra é mais do que visitar um património cultural, natural e arquitetónico: é deixar-se tocar pela atmosfera mística da vila, escutar os seus silêncios, perder-se nos caminhos e reencontrar-se nas paisagens. Traga um diário, prepare a câmara e leve consigo memórias repletas de fantasia.
“Todo o estrangeiro poderá encontrar em Sintra um pedaço da sua pátria. Eu descobri aí a Dinamarca…”, sublinhou Hans Christian Andersen. Nos bosques húmidos da serra, nos nevoeiros matinais e nos caminhos sombreados por carvalhos, o escritor dinamarquês sentiu que Sintra lhe devolvia memórias de casa. É essa familiaridade rara, num lugar distante da terra natal, que muitos visitantes ainda hoje encontram.
Nos finais do século XIX, o escritor que deu vida às obras A Pequena Sereia e O Patinho Feio passou pelo país durante as suas deambulações pela Europa, enquanto procurava material digno de nota para as produções artísticas. Da sua experiência de três meses e da sua imaginação fértil nasceu o diário Uma Visita a Portugal em 1866. Hans Christian Andersen escreveu: "Todo o caminho da serra é um jardim, onde natureza e arte maravilhosamente se combinam, o mais belo passeio que se pode imaginar".
Sintra: Um lugar de encanto e de inspiração para escritores

A Paisagem Cultural de Sintra, eleita Património Mundial da Humanidade em 1995, é sensorial e combina natureza exuberante, arquitetura romântica e história. Ao longo dos séculos, seduziu vários artistas, ao ponto de Lord Byron a descrever como “glorioso Éden” e de Ferreira de Castro, que produziu a maioria dos seus manuscritos na vila e que veio a ter uma Casa-Museu, ter doado o seu espólio à “poesia da natureza sintrense”, onde meditou e sonhou as suas criações.
Um século antes da distinção da UNESCO, Hans Christian Andersen chegou a Sintra e permaneceu pela zona cerca de duas semanas. Foi hóspede da família de José O’Neill, filho do Cônsul da Dinamarca, numa casa na Calçada dos Clérigos, e explorou os arredores na companhia do poeta britânico Edward Bulwer-Lytton. Juntos caminharam pela serra, visitaram palácios e jardins e descobriram uma Sintra literária onde natureza e arte se entrelaçavam, uma vivência que foi traduzida como “o mais belo passeio que se pode imaginar”.
Um itinerário pela vila
A visita de Andersen a Sintra pode ser reconstituída através dos locais que mencionou nos seus escritos e que ainda hoje mantêm o seu encanto. Percorra este itinerário e visite cada um dos pontos de referência.
Fonte da Sabuga
Entre os muros da Quinta do Saldanha, existe este fontanário cuja história remonta ao período medieval, de acordo com as referências bibliográficas. Também há séculos são mencionadas as propriedades curativas das águas que nela correm, eternizadas pela rainha D. Luísa de Gusmão. Este exemplar arquitetónico, que sofreu várias alterações e que foi reconstruído após o terramoto de 1755, integra o Roteiro de Fontes de Sintra. É, até aos dias de hoje, um ponto de encontro e de descanso para os caminhantes e viajantes. Abeirando-se desta fonte, Hans Christian Andersen refrescava-se e observava a vida tranquila da vila. Hoje, a fonte mantém o seu charme e continua a oferecer um momento de pausa antes de subir as encostas da Serra de Sintra.
Igreja de Santa Maria
Este templo erguido por altura da fundação de Portugal, quando D. Afonso Henriques conquistou a vila de Sintra aos Mouros, está rodeado por vegetação - e era esta ambiência natural que transmitia a Hans Christian Andersen uma ideia de recolhimento. Também o terramoto abalou a sua estrutura, mas manteve-se o pórtico gótico original, ao qual foram adicionados detalhes renascentistas. Passando as suas portas, é possível encontrar capitéis e uma abóboda artesoada medievais, pias batismais e uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. A sua arquitetura simples contrasta com a exuberância natural à volta, criando um cenário que parece suspenso no tempo.
Igreja de São Pedro de Penaferrim
Localizada no Largo do Adro da Igreja, em São Pedro de Sintra, esta igreja guarda séculos de história religiosa. Hans Christian Andersen descobriu-a numa das suas caminhadas pela zona, tendo sido atraído, mais uma vez, pela serenidade e pelo enquadramento rural. Combinando elementos medievais e barrocos, este monumento tem um pórtico barroco com o brasão do cardeal D. Tomás de Almeida, esculturas notáveis e uma sequência de azulejos do século XVIII com episódios da vida de São Pedro.
Palácio Nacional de Sintra
No coração de Sintra, com as suas chaminés brancas demarcadas na paisagem, o Paço da Vila, como também é conhecido, foi descrito pelo autor dinamarquês como tendo “duas garrafas de champanhe acopladas”. As decorações das Salas dos Cisnes e dos Brasões que ilustram a vida monárquica, uma das maiores coleções de azulejos mudéjares in situ da Península Ibérica, as chaminés cónicas e a cozinha mantêm preservada a atmosfera que o escritor experienciou. Utilizado pela Família Real Portuguesa até ao final da Monarquia como residência e para caçadas reais, o Palácio Nacional de Sintra foi palco de anúncios e de tomadas de decisão importantes para a História de Portugal, sendo exemplos disso a proclamação de reis e o anúncio da descoberta do Brasil.
Palácio Nacional da Pena
Hans Christian Andersen descreveu a subida pela Serra de Sintra em direção ao Palácio da Pena como um passeio por um “jardim encantado”. O percurso do Parque da Pena, ladeado por árvores centenárias e espécies exóticas, revela vislumbres do palácio colorido entre a folhagem, criando expetativa a cada curva. Residência de verão de D. Fernando II, o rei consorte de D. Maria II, que adquiriu as ruínas do monumento e as suas terras no século XIX. Combina diferentes estilos arquitetónicos, sendo um exemplo do revivalismo romântico em Portugal. No exterior, destaca-se a Gruta do Monge, um antigo espaço de meditação, contemplação e recolhimento, o Jardim das Camélias e a Feteira da Rainha, onde existe uma das árvores mais impressionantes, uma Tuia-gigante. Já no interior, é imperdível a capela com um vitral de D. Fernando II, na parede oposta ao altar-mor. Aqui, o escritor ficou fascinado pela forma como a arquitetura dialogava com a natureza, criando um cenário digno de um dos seus contos de fadas.

Parque e Palácio de Monserrate
Para o escritor dinamarquês, Monserrate era “uma verdadeira vinheta das Mil e Uma Noites”. Com inspiração oriental e (re)construído em 1858, com uma traça romântica, sobre as ruínas de uma mansão neogótica, o Palácio foi residência de verão da família de Sir Francis Cook, visconde de Monserrate. Além de ter sido visitado por Lord Byron, no início do século XIX, que se inspirou neste monumento para o livro Childe Harold's Pilgrimage, e de ter servido de pano de fundo a um episódio da série As Viagens de Gulliver, de 1996, com o ator Ted Danson a vestir o protagonista criado por Jonathan Swift. Os jardins botânicos, com espécies vindas de todo o mundo, cascatas e lagos, oferecem-lhe uma experiência sensorial e estética únicas.

Sintra além do roteiro de Andersen
Depois de seguir os passos do célebre escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, vale a pena prolongar a viagem e deixar-se guiar pela intuição e pela beleza natural do Parque Natural de Sintra-Cascais. Há tesouros escondidos entre a serra e o mar que convidam à contemplação, ao sabor e à descoberta.

Colares e Janas
Aninhada entre a serra e o Atlântico, Colares é uma vila discreta, mas rica em tradição. O seu vinho da casta Ramisco, cultivado em solos arenosos junto à costa, é uma raridade que carrega séculos de história e de resistência. Provar este vinho é como saborear a paisagem, intensa e profundamente ligada à terra. As ruas tranquilas, ladeadas por casas antigas e vinhas, convidam a uma pausa demorada.
Por sua vez, Janas representa um ponto de encontro entre património, ancestralidade e práticas sustentáveis que respeitam o território. Nesta aldeia rural encontra-se uma capela circular dedicada a São Mamede, uma construção invulgar que poderá ter origem em práticas religiosas anteriores ao cristianismo. Nas redondezas, foram identificados vestígios arqueológicos que apontam também para ocupações humanas desde a pré-história, reforçando a importância histórica da zona. A aldeia tem vindo ainda a afirmar-se como um espaço onde se promove a sustentabilidade, através de projetos ligados à agricultura biológica, à educação ambiental e à valorização dos saberes locais.

Praia das Maçãs, Praia Grande e Azenhas do Mar
Ligada ao coração de Sintra pelo elétrico centenário que serpenteia pela paisagem, acompanhado das suas paragens pitorescas, a Praia das Maçãs é um lugar onde o tempo parece abrandar. Com ambiente familiar e descontraído, mistura tradição balnear com cafés acolhedores e mercados locais; e ainda com uma antiga colónia de férias que foi transformada numa pequena aldeia de praia, com vários espaços dedicados ao bem-estar. É o sítio ideal para um mergulho seguido de uma conversa demorada.
Já a Praia Grande e as Azenhas do Mar, dois postais marítimos, proporcionam pausas contemplativas, uma conexão com o mar através do surf e tratamentos terapêuticos, graças aos benefícios da água salgada. Se a talassoterapia integra a lista de requisitos para uma visita revitalizante a Portugal, a Praia Grande dispõe de uma piscina de água salgada diretamente ligada ao oceano, ao passo que as Azenhas do Mar, zona de casas brancas encaixadas na falésia, convidam a mergulhar em piscinas naturais com vista para o Oceano Atlântico. É possível também fazer trilhos de BTT e rotas de cicloturismo, para usufruir de vistas incríveis da costa, ladeados pela natureza do Parque Natural de Sintra-Cascais. Um roteiro à beira-mar que não pode terminar sem uma degustação de peixe e marisco frescos, embalada pelo som das ondas e da fauna local.
Um convite à descoberta
Em Portugal, há sempre uma paisagem por contar, uma arquitetura que é base e traço de narrativas, um sol que sublinha as estórias de quem procura mais de 300 dias de luz dourada para as memórias. Sintra, que foi musa de escritores nacionais como Almeida Garrett no romantismo e Eça de Queiroz no realismo, inspirou o autor dinamarquês de contos de fadas Hans Christian Andersen a criar um roteiro literário pela mística vila às portas de Lisboa. Experimente-o!

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